Impacto da covid-19 nos crimes no estado do Rio de Janeiro

Emmanuel Rapizo e Nadine Melloni


Abril de 2021

Introdução

O ano de 2020 foi marcado pela pandemia de covid-191, que levou à morte mais de um milhão e meio de pessoas pelo mundo2 e que causou problemas de saúde em outros milhões. As rotinas dos cidadãos de quase todos os países foram afetadas devido às ações estatais e pelas mudanças de hábitos. Para mitigar o espraiamento do vírus, governos, empresas e indivíduos se mobilizaram em campanhas para evitar o contato social, o que tem sido chamado de distanciamento ou isolamento social. Os efeitos dessas medidas para diversas áreas da sociedade têm sido estudados. Nesse trabalho tem-se por objetivo contribuir para a compreensão dos efeitos da pandemia na segurança pública. Para tanto, foram analisadas as séries históricas de alguns crimes no estado do Rio de Janeiro. A partir delas, foi realizada uma modelagem para comparar os valores esperados entre os meses de março e outubro de 2020 com aqueles efetivamente registrados no mesmo período. Essa delimitação temporal torna-se pertinente, pois, no dia 16 de março, o Governo do Estado do Rio de Janeiro publicou o decreto nº 46.973, que reconheceu a situação de emergência no estado3. Com essa determinação, uma série de medidas restritivas passou a ser adotada, como a diminuição do funcionamento do transporte público, a oferta de trabalho remoto em seus órgãos, além da suspensão das aulas nas escolas públicas e da adoção de outras diretrizes que afetaram o comércio e a indústria.

A pandemia e os estudos sobre crime

A Organização Mundial de Saúde decretou a pandemia de covid-19 em 11 de março4, e a primeira morte no Brasil foi registrada no dia seguinte5. Dada a grande capacidade de transmissão e o potencial letal da doença, diversas medidas estatais foram tomadas e comportamentos mudados. Como resume a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (2020), há seis grandes categorias de políticas de resposta locais, além daquelas de saúde: o distanciamento social, a alteração das práticas no local de trabalho, as medidas concretas para os grupos vulneráveis, a prestação de serviços sociais, o apoio a empresas e a comunicação à sociedade. Nos níveis municipal e estadual, destacam-se as ações que limitaram ou cancelaram eventos e fecharam estabelecimentos culturais, escolas e universidades (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2020).

Em todo o mundo, bilhões de pessoas alteraram suas atividades diárias. Para Stickle e Felson (2020) e Miller e Blumstein (2020), esse evento seria o maior experimento de controle quase-randomizado6 conhecido, já que se trata da mais significante e repentina mudança de comportamento social da história. Em relação à segurança pública, Stickle e Felson (2020, p. 528) destaca que a pandemia “irá avançar nosso conhecimento do crime e do comportamento humano como nenhum outro evento jamais fez durante a era em que os dados criminológicos estavam amplamente disponíveis”7.

Há muitas hipóteses sobre os efeitos da pandemia na área de segurança pública, especialmente nos números de crimes, nas estratégias de policiamento, no comportamento dos policiais, das vítimas e dos criminosos. Dentre elas, está a possibilidade de aumento no número de vítimas de violência doméstica, devido ao maior período de contato entre os moradores de uma residência, ou a queda nos casos de roubos e de furtos pela diminuição de pessoas em circulação pelas ruas. Além disso, as medidas estatais na área de segurança pública talvez tenham efeito sobre o volume de crimes. Por exemplo, em diferentes países houve medidas para a libertação de presos por crimes menos graves e/ou a proibição do comércio de bebidas alcoólicas.

Enquanto o distanciamento social e as ordens para ficar em casa foram elementos novos no cenário social, outras variáveis comumente vinculadas aos crimes não se alteraram. No Brasil, os níveis de pobreza ou de desigualdade não foram afetados drasticamente logo após o início da pandemia devido ao “efeito-anestesia” do auxílio emergencial e da medida provisória que possibilitou a suspensão parcial ou total dos contratos de trabalho (Barbosa e Prates, 2020; Neri, 2020)8. Ainda, sabe-se pouco sobre as alterações em aspectos psicológicos importantes para a criminologia, como o autocontrole e o estresse.

De acordo com Hodgkinson e Andresen (2020), durante eventos excepcionais, como é o caso da pandemia de covid-19, três linhas teóricas competem: a da coesão social, a da desorganização social e a das oportunidades. De modo resumido, a primeira prevê que os crimes cairiam, pois haveria uma maior propensão da sociedade agir de maneira solidária. Inversamente, a teoria da desorganização social sugere um aumento dos crimes nesses momentos, pois a ordem social seria rompida. Por fim, a teoria das oportunidades, com a qual os autores se vinculam, prediz que os crimes se comportarão de acordo com as mudanças nas estruturas de oportunidade de cometimento dos mesmos. A perspectiva mais comum dentro dessa linha é a da teoria das atividades rotineiras (Cohen e Felson, 1979). Ainda assim, Miller e Blumstein (2020) sugere que outras teorias podem ser valiosas, como a da dissuasão e a da escolha racional, do autocontrole, da desorganização social, da transmissão cultural e do aprendizado social9.

Mohler et al. (2020) explicam que a teoria das atividades rotineiras parte de dois princípios. Primeiro, os crimes apenas podem ocorrer quando não há guardiões capazes de impedi-los e quando infratores motivados se deparam com potenciais vítimas. Segundo, as atividades normais diárias são suficientes para gerar as condições para esses encontros. Considerando essas características, a redução dos crimes de oportunidade seria resultado do menor fluxo de pessoas nas ruas e da maior visibilidade que os policiais ganhariam nesses locais. Por outro lado, os crimes econômicos10 ou conflitos entre grupos seriam menos afetados, pois são menos dependentes das situações nas quais vítimas e autores estão próximos.

Diversos trabalhos buscam identificar variações nas tendências dos crimes durante a pandemia (Abrams, 2020; Boman e Gallupe, 2020; Hodgkinson e Andresen, 2020; Kim e Leung, 2020; Mohler et al., 2020; Payne, Morgan e Piquero, 2020; Piquero et al., 2020). Abrams (2020), por exemplo, analisa os dados criminais de diversas cidades estadunidenses, a fim de verificar se as suas características afetaram as variações do número de crimes após a implantação das medidas de isolamento social. O autor concluiu que as diferenças sociais, demográficas e políticas entre as cidades não explicaram os resultados distintos encontrados em relação à variação no número de crimes durante a pandemia. O que indicaria que foi a pandemia a variável explicativa das mudanças observadas.

Na mesma linha, Mohler et al. (2020) comparam os resultados das cidades de Los Angeles e de Indianápolis, nos Estados Unidos. Analisando diversos crimes e tipos de atendimento policial, concluíram que o isolamento social diminuiu as abordagens de trânsito e aumentou as chamadas telefônicas para casos de violência doméstica.

Hodgkinson e Andresen (2020) estudaram as frequências criminais semanais em Vancouver, no Canadá. Diante das restrições sociais impostas durante a pandemia, houve evidentes reduções para o total de crimes, total de roubos e, especificamente, para os roubos de veículo. Outros delitos, como o roubo a residência e más condutas11 não sofreram o mesmo impacto.

Por sua vez, Kim e Leung (2020), ao avaliarem os crimes no estado de Nova Gales do Sul, na Austrália, observaram que as medidas estatais de distanciamento social estiveram associadas com a queda em registros de agressão, ofensa sexual, roubos, arrombamentos, furtos de veículo e de comércio. Também na Austrália, Payne, Morgan e Piquero (2020) examinaram os dados do estado de Queensland para as agressões definidas como comuns e sérias12, para as ofensas sexuais e para as violações de ordens relacionadas à violência doméstica. Os autores concluíram que em apenas um mês do período estudado houve uma redução significativa em relação ao previsto pelo cálculo estatístico relativo às agressões sérias e às ofensas sexuais.

No Rio de Janeiro, o Instituto de Segurança Pública (ISP) construiu uma ferramenta para monitorar os casos de violência doméstica e familiar durante a pandemia13. Ainda no âmbito do ISP, Rolim (2021) mostrou o aumento de casos de estelionato em ambiente virtual, o que é condizente com os dados que indicam o aumento do uso da internet e de ferramentas digitais durante esse período (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR e Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2020).

Considerando os estudos citados, vê-se que não há resultados homogêneos para os crimes estudados em diferentes regiões. Os roubos e furtos de rua seriam a exceção, que diminuíram independentemente da região estudada. A nota lançada pelo Instituto de Segurança Pública (2020b)14 mostrou resultados compatíveis com essa expectativa. O estudo apontou a correlação alta entre a queda no número de roubos de rua e de veículo a partir de março e o aumento do tempo das pessoas em suas residências. Outra possibilidade de explicação para essa relação é a subnotificação, pois menos pessoas teriam ido às delegacias registrar os crimes, ainda que haja a possibilidade de fazê-lo pela internet15.

Ao apresentar os resultados para diferentes crimes aplicando outras técnicas de análise, este estudo dá seguimento à nota citada anteriormente. Por meio dos métodos de séries temporais, busca-se responder se as variações nos crimes estão dentro de um limite esperado de acordo com o modelo ajustado. As seções seguintes expõem a metodologia utilizada e a discussão sobre os resultados.

Escopo e metodologia

Este trabalho analisa os efeitos da pandemia no estado do Rio de Janeiro por meio de métodos de séries temporais. Para isso, destacam-se os três componentes das séries: a tendência, o ciclo e a sazonalidade. A tendência mostra o movimento de longo prazo da série histórica, indicando se, no geral, os números apresentam queda, crescimento ou estabilidade, independente das pequenas variações de curto prazo. Os ciclos se identificam pelas “ondas”, mais ou menos curtas ou regulares, que se estabelecem ao longo da série histórica independentemente da tendência. Por fim, a sazonalidade capta padrões regulares da série vinculados a elementos específicos, como as estações do ano ou os períodos de trabalho semanal. Os estudos sobre os crimes têm se aproveitado desta técnica há muito tempo. E sobre o contexto fluminense, já há trabalhos nesse sentido que apresentam outros exemplos de sazonalidade associada aos crimes (Monteiro e Caballero, 2021; Provenza, Simões e Goulart, 2018).

Os dados utilizados provêm dos registros de ocorrência da Secretaria de Estado de Polícia Civil do Rio de Janeiro (SEPOL). Eles foram filtrados para o período entre 2014 e 2020. Cabe destacar que os dados são apresentados desde 2014 apenas na série histórica de longo prazo. A seleção levou em consideração o mesmo período utilizado na pesquisa de Payne, Morgan e Piquero (2020), que serviu de inspiração para este trabalho, por se adequar às necessidades do método utilizado. Por fim, vale ressaltar que todos os dados consideram a data do fato. Portanto, é diferente da divulgação realizada pelo ISP, que computa as estatísticas oficiais do estado a partir dos dias do registro de ocorrência.

Em relação à seleção dos delitos para este estudo, foi considerada a lógica proposta por Stickle e Felson (2020) que sugerem estudos sobre crimes específicos e não sobre a violência de maneira genérica. Nesse sentido, optou-se pela análise dos totais de vítimas de homicídios dolosos e das mortes por intervenção de agente do Estado para compreender o impacto em relação aos crimes contra a vida. O efeito da pandemia em relação a esses crimes não é consensual. Se por um lado existe a possibilidade de haver uma menor vigilância policial16 e uma maior exposição das pessoas a situações estressantes, que facilitariam a violência interpessoal; por outro, existe a possibilidade de diminuição da violência letal advinda de uma suposta maior coesão social.

Além desses crimes, foram analisados os totais de casos de roubos e de furtos de celular e a transeunte, a fim de analisar os crimes de oportunidade realizados nas ruas. A princípio, com menos pessoas nas ruas, a teoria das atividades rotineiras prevê menos chances deles ocorrerem. De maneira complementar, também foram considerados os roubos de veículo e de carga, que compõem os indicadores estratégicos da área da segurança pública17 e foram alvo de estudo elaborado pelo Instituto de Segurança Pública (2020a). Por fim, os números referentes às apreensões de drogas por tráfico também foram estudados a fim de compreender os impactos em uma ocorrência que é diretamente relacionada à proatividade policial.

As análises são apresentadas de acordo com os delitos selecionados por meio de três gráficos. O primeiro mostra a série histórica mensal do delito em questão, com o objetivo de contextualizar o leitor sobre as suas tendências e sazonalidades.

Com essa informação, avança-se para a análise dos dados de crimes semanais em 2020, apresentada no segundo gráfico. Nesse caso, o propósito é observar os pontos de mudanças de média18 dos crimes e avaliar se eles se encontram próximos do período de implantação das medidas de distanciamento social tomadas pelo governo estadual.

Finalmente, no terceiro gráfico, são realizados os cálculos de previsão para identificar se houve impactos significativos durante o período da pandemia no número de crimes. Seguindo o exemplo do trabalho de Payne, Morgan e Piquero (2020); preferiu-se trabalhar com dados mensais, mais ajustados às sazonalidades dos crimes. Utilizando os dados de janeiro de 2014 a fevereiro de 2020, os modelos de série temporal mensal19 captaram os possíveis padrões das médias móveis, das tendências, das sazonalidades e dos ciclos de cada série temporal analisada. Os resultados dos modelos preditivos e outras informações importantes para avaliar a qualidade deles estão na Tabela 1 no Apêndice A.

É importante ressaltar que os registros de alguns delitos foram afetados pela paralisação dos serviços da SEPOL no início de 2017. Os registros de roubo e de furtos a transeunte e de celular tiveram uma grande queda nos meses de janeiro a março em relação ao padrão que vinha sendo observado. Para evitar incorreções no ajuste dos modelos, foi realizado um tratamento nos valores observados nesse período para esses delitos. Os valores desses meses foram substituídos pelos resultados de uma interpolação linear calculada com os valores reais observados nos meses de dezembro de 2016 e abril de 201720.

A mobilidade no estado do Rio de Janeiro

Antes das análises dos totais de crimes, é apresentado o gráfico de mobilidade do estado do Rio de Janeiro, produzido com os dados disponibilizados pelo Google. O objetivo é mostrar a alteração de hábitos, como a maior presença em casa e a redução da circulação nas ruas e em locais de trabalho.

A Figura 1 mostra os indicadores medianos semanais de mobilidade construídos com base na geolocalização dos aparelhos vinculados aos serviços do Google. Os valores dos indicadores têm como referência o período de 3 de janeiro de 2020 a 6 de fevereiro de 202021. Os números indicam a variação no total de visitantes em locais de lazer e entretenimento e de trabalho, e a mudança na duração do tempo de estadia na residência. Por exemplo, na semana iniciada em 6 de setembro, encontra-se o valor -18 para a categoria lazer e entretenimento. Isso significa que, em metade dos dias dessa semana, a redução do tempo nas visitas a lugares deste tipo foi de até 18%, quando comparado com o período de referência. Para a mesma semana, o número relacionado à categoria residências é de 8.

Na Figura 1, é possível observar que houve um aumento do tempo em casa a partir da segunda semana de março, quando as medidas estatais e campanhas que pediam para que as pessoas ficassem em casa foram iniciadas. Contudo, assinala-se a tendência de diminuição do tempo em casa a partir do início de maio. Na semana do dia 8 de março, o indicador estava em -1%, subindo para 20% na semana do dia 22 de março. Na semana do dia 25 de outubro, o indicador registrava 8%.

Com relação às visitas aos locais de lazer e entretenimento e de trabalho, observa-se o movimento contrário: a diminuição das idas a esses lugares, a partir da segunda semana de março; e uma aproximação do valor de referência, a partir de maio. Por exemplo, na semana do dia 22 de março, o estado teve, em mediana, menos 70% de visitas aos espaços de lazer e entretenimento. Ao final de outubro, essa redução ficou próxima de 19%. Quanto às visitas aos locais de trabalho, na semana do dia 22 de março, elas ficaram 45% abaixo do registrado nas semanas de referência. Na última semana de outubro, a queda em relação ao período de referência era de 1%.

Figura 1: Gráficos de mobilidade - estado do Rio de Janeiro
Fonte: Elaborado pelo ISP com dados do Google.

 

As variações nos crimes

Esta seção é dividida em subseções para cada um dos crimes analisados: homicídio doloso, morte por intervenção de agente do Estado, roubo de celular e a transeunte, furto de celular e a transeunte, roubo de veículo e roubo de carga. Cada uma dessas subseções contém os três gráficos já apresentados na metodologia: a série histórica mensal desde 2014, a série histórica semanal de 2020 e a comparação entre os valores previstos pelo modelo e os reais observados.

A observação das séries históricas de longo período ajuda a identificar as tendências, permitindo que os dados mais recentes sejam compreendidos dentro do seu contexto. Isso evita concluir que uma redução de crimes é um fato novo, quando ela está dentro de uma tendência de longo prazo. Por exemplo, sabe-se que os homicídios são afetados por alterações demográficas. O envelhecimento da população ajuda a reduzir a prevalência desse crime, mais comum entre os mais jovens. Assim, ao longo de décadas é esperado que, mantidas as outras variáveis constantes, haja uma redução desse crime ao longo da transição demográfica. Outros crimes, ao contrário, podem crescer em razão de mudanças nos comportamentos sociais. Exemplarmente, pode-se citar o aumento das compras feitas pela internet, com entregas em domicílio. Esse crescimento, que não se dá repentinamente, levaria, em tese, a um aumento da circulação e, consequentemente, dos casos de roubos de carga. Portanto, as séries históricas mais longas permitem análises diferentes daquelas realizadas a partir de séries históricas mais restritas. Os gráficos apresentados a seguir também incluem uma linha de tendência22 para auxiliar a interpretação, que vai até a data de publicação do decreto da situação de emergência, para que essa não seja influenciada pelos resultados do período.

Os dados de 2020 estão separados por semana epidemiológica23. O objetivo é identificar se a entrada em vigor das medidas de distanciamento social foi concomitante a possíveis mudanças no total de crimes semanais. Para isso, são indicadas a semana na qual foi decretada a situação de emergência no estado (linha vertical cinza pontilhada) e as mudanças de médias nos números de vítimas ou casos (linhas vermelhas pontilhadas) observadas no período.

O último gráfico24 permite a comparação dos totais mensais de vítimas ou casos observados (linha azul) no período de distanciamento social com os valores previstos a partir do modelo ARIMA ajustado25 (linha vermelha pontilhada) e os respectivos intervalos de confiança de 80% e 95%26 (áreas sombreadas e cinza). Portanto, resultados acima e abaixo dessas áreas equivalem a resultados não esperados, que provavelmente foram afetados por alguma variável não presente anteriormente. No caso estudado, indica que os números de crimes durante a pandemia de covid-19 ficaram fora de um intervalo esperado de acordo com a série histórica, possivelmente afetados pelos efeitos das medidas de distanciamento social.

Homicídio doloso

Na Figura 2, nota-se um sutil movimento de queda no total de vítimas mensais de homicídio doloso no estado. Mais precisamente, observa-se uma redução dos crimes entre 2014 e começo de 2015 seguida de um crescimento que vai até aproximadamente agosto de 2017 e, finalmente, uma nova queda que se estende até o começo da pandemia. Nesse período, os homicídios dolosos nunca superaram as 500 vítimas, nem ficaram abaixo das 300.

Analisando os totais nas semanas epidemiológicas, é possível observar que houve uma mudança de média após o decreto da situação de emergência. Até a semana 15, a média era de 79 vítimas semanais; a partir da semana 16, essa média caiu para 60 vítimas.

Os valores pontuais previstos para o total de vítimas mensais de homicídio doloso, a partir do modelo ajustado, são próximos aos observados nos meses anteriores. Observa-se que mesmo o número de vítimas após abril, ficar sempre abaixo do previsto, ele se situa na margem entre os intervalos de 80% e 95% de confiança. Isso indica que a pandemia não alterou significativamente os totais de vítimas de homicídios dolosos, já que esses totais estão dentro do esperado considerando a série histórica.

Figura 2: Vítimas de homicídio doloso no estado do Rio de Janeiro - jan/2014 a out/2020
Fonte: Elaborado pelo ISP com dados da SEPOL.

 

Morte por intervenção de agente do Estado

Em relação às mortes por intervenção de agente do Estado, o primeiro gráfico mostra uma tendência de crescimento desde o ano de 2014 até o começo da pandemia. Observa-se uma grande queda nos valores de junho a setembro. Essa variação também pode ser vista no segundo gráfico ao analisarmos as semanas epidemiológicas de 2020. A média semanal de vítimas era de aproximadamente 35 vítimas até a semana 20, caiu para 13 vítimas no período entre as semanas 21 e 38, e subiu para 26 vítimas a partir da semana 39. Já no gráfico de previsão, é possível observar que no período entre junho e setembro os valores ficaram abaixo do intervalo de confiança de 95%. Ou seja, essa queda não pode ser explicada pelo modelo ajustado apenas com a série histórica, indicando que houve um fato que impactou os valores mensais. Considerando que esta mudança de nível ocorre três meses depois da decretação de emergência e é coincidente com a proibição das operações policiais julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF)27, é difícil distinguir os efeitos de ambos isoladamente. Contudo, a julgar pelo momento no qual se inicia a queda dos números na série, a hipótese da decisão judicial ser o pivô da mudança é mais plausível.

Figura 3: Vítimas de morte por intervenção de agente do Estado no estado do Rio de Janeiro - jan/2014 a out/2020
Fonte: Elaborado pelo ISP com dados da SEPOL.

 

Roubo de celular e a transeunte

Na análise do total de roubos de celular e a transeunte, cabe ressaltar novamente a paralisação dos serviços da SEPOL no começo de 2017, visível pela queda abrupta identificada no primeiro gráfico da Figura 4. Contudo, o valor referente a esse período não impactou a tendência de crescimento no total de casos mensais observada até metade de 2017. Desse período em diante, houve uma estabilização por volta dos 10 mil casos mensais, com leve tendência de queda a partir de 2019. Entretanto, o número de casos caiu abruptamente a partir de março de 2020. Esse movimento também pode ser visto no segundo gráfico. Até a semana 11 de 2020, a média estava em 1.803 casos semanais. Após a decretação da situação de emergência, a média semanal caiu para 810 casos e a partir da semana 24 a média passou para aproximadamente 1.072 casos.

Nos primeiros meses de distanciamento social, os totais de roubos de celular e a transeunte estiveram abaixo do limite inferior de 95%. Essa situação mudou somente a partir de julho de 2020, quando os valores registrados ficaram dentro da margem inferior de 95%, porém continuaram fora do intervalo de 80% de confiança. Assim, é possível dizer que em pelo menos metade do período em estudo, o distanciamento social afetou o número de casos de roubo de celular e a transeunte no estado.

Figura 4: Casos de roubo de celular e a transeunte no estado do Rio de Janeiro - jan/2014 a out/2020
Fonte: Elaborado pelo ISP com dados da SEPOL.

 

Furto de celular e a transeunte

Diferentemente dos roubos, a série histórica de furtos de celular e a transeunte apresentou uma tendência leve de queda no primeiro momento. Iniciada no último trimestre de 2015, alcançou os menores números de casos no primeiro trimestre de 2018 e apresentou leve tendência de alta que se manteve até o início das medidas de distanciamento social. Novamente, vale ressaltar que o período de paralisação da SEPOL no primeiro trimestre de 2017 impactou nos números mensais indicados no gráfico.

No segundo gráfico da Figura 5, nota-se que houve uma diferença importante nas médias semanais de casos de furtos identificadas pouco antes do decreto de situação de emergência. Até a semana 10 de 2020, as médias foram de 908 casos, após essa semana, a média caiu para 174 casos. Em seguida, houve dois pequenos períodos nos quais as médias ascenderam, passando para 220 casos na semana 24 e 351 casos na semana 31.

O último gráfico mostra a série histórica mensal para os anos de 2019 e 2020, além da previsão para o período entre março e outubro de 2020. Primeiramente, vale indicar que os picos observados em março de 2019 e fevereiro de 2020 se referem ao Carnaval, época do ano que concentra muitos furtos. Em segundo lugar, vê-se que em todos os meses no período posterior a março de 2020, o número de casos ficou abaixo da margem inferior de 95% de confiança para a previsão do modelo ajustado pela série histórica. Não obstante, os casos registrados foram aumentando ao longo do intervalo, chegando mais próximo do limite inferior, ainda que não o tenha superado. Portanto, é possível dizer que durante todo o período estudado, a pandemia teve efeitos sobre os casos de furtos de celular e a transeunte.

Figura 5: Casos de furto de celular e a transeunte no estado do Rio de Janeiro - jan/2014 a out/2020
Fonte: Elaborado pelo ISP com dados da SEPOL.

 

Roubo de veículo

A Figura 6 mostra os gráficos referentes às séries históricas de roubo de veículo. É possível observar uma leve redução dos casos mensais de 2014 até o primeiro trimestre de 2015, seguida de um movimento de ascensão até os meses iniciais de 2018. Por último, vê-se uma forte tendência de queda que se estende até o período em estudo. Assim, valores mais baixos podem estar dentro de um contexto prévio de redução. De fato, é possível observar uma redução do número de casos após a implantação da situação de emergência no estado e o início das medidas de isolamento social.

O segundo gráfico mostra que houve uma mudança na média semanal justamente na semana da ação governamental. Essa mudança foi de aproximadamente 674 casos até a semana 11 para 412 casos até o final do período em estudo. No último gráfico, nota-se que os casos ficaram abaixo do limite inferior de 95% de confiança para o previsto a partir do modelo ajustado apenas nos meses de abril e maio de 2020, enquanto nos demais, os registros ficaram dentro desse intervalo. Assim, pode-se dizer que as medidas de distanciamento social tiveram efeitos restritos em relação aos roubos de veículo, afetando significativamente apenas os meses de abril e maio.

Figura 6: Casos de roubo de veículo no estado do Rio de Janeiro - jan/2014 a out/2020
Fonte: Elaborado pelo ISP com dados da SEPOL.

 

Roubo de carga

Quanto aos roubos de carga, Figura 7, nota-se uma tendência de aumento no total de casos mensal entre 2014 e metade de 2017, quando se iniciou um período de redução observado até o início do período em estudo. Após a entrada em vigor da situação de emergência, foram registradas pequenas variações semanais dos roubos de carga, como é possível ver no segundo gráfico. As sutis mudanças de médias mostram que houve reduções e aumentos dos roubos de carga durante o ano de 2020, as médias semanais observadas foram 113, 92, 109 e 83 casos. Essas pequenas variações realmente não indicam que o número de roubos de carga foi afetado pela pandemia, já que os totais de roubos registrados estão muito próximos dos valores previstos de acordo com o modelo ajustado pela série histórica.

Uma hipótese para compreender a relativa estabilidade dos roubos de carga durante a pandemia seria a de que esse é um crime que exige mais organização. Assim, dependeria menos das oportunidades dos encontros casuais entre vítimas e autores de crimes. Portanto, os grupos que praticam esse crime seriam menos impactados por uma possível variação no número de caminhões circulando. Vale ressaltar que não foi avaliado se essa condição, a alteração na quantidade de caminhões nas estradas, esteve presente no contexto fluminense, pois ela não interfere nos cálculos de previsão realizados. Caso negativo, outras hipóteses devem ser levantadas.

Figura 7: Casos de roubo de carga no estado do Rio de Janeiro - jan/2014 a out/2020
Fonte: Elaborado pelo ISP com dados da SEPOL.

 

Tráfico de drogas

Na Figura 8 observa-se que a série histórica de total de casos mensais de tráfico de drogas é muito estável entre 2014 e 2020, variando em torno dos 1.000 casos mensais e 200 casos semanais. Houve um período com um número um pouco maior entre 2015 e o começo de 2016, e outro com valores um pouco mais baixos ao final de 2019 e começo de 2020. Essas variações, contudo, não foram suficientes para alterar a linha de tendência, nem mesmo as observadas, semanalmente em 2020, apresentaram dados que apontassem algum ponto de mudança na média. Esse resultado deve ser entendido como um sinal de que não houve impacto significativo nesse tipo de registro por causa das ações estatais e das mudanças comportamentais relacionadas com a pandemia. Por fim, o último gráfico confirma que os valores registrados, durante o período de março a outubro de 2020, acompanharam a tendência histórica, já que ficaram muito próximos aos projetados pelo modelo ajustado.

Vale ressaltar que em São Paulo houve recordes de apreensão de maconha quando observado o período entre março e julho de 202028. No Rio de Janeiro, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) registrou aumento de 321% na massa de cocaína apreendida entre março e o começo de outubro29. A agência sobre drogas das Organizações das Nações Unidas (ONU, 2020) indicou que os impactos da pandemia no fluxo do tráfico de drogas podem ter relação com o meio de transporte associado. Em seu estudo, indicam que entre janeiro de 2017 e abril de 2020, 88% dos derivados da folha de coca foram transportados por via marítima. Já os produtos da cannabis foram transportados por via terrestre em 45% das vezes. A maior facilidade de vigilância das estradas e ruas pelas polícias, dado o menor fluxo de automóveis, e a supersafra de maconha produzida no Paraguai30 são variáveis que indicariam um aumento nas apreensões por tráfico de drogas durante o período analisado. Existe a hipótese que a estabilidade encontrada poderia ser reflexo das proibições das operações policiais no período. Contudo, ainda não é claro o que provocou a invariabilidade das ocorrências.

Figura 8: Casos de tráfico de drogas no estado do Rio de Janeiro - jan/2014 a out/2020
Fonte: Elaborado pelo ISP com dados da SEPOL.

 

Considerações finais

Este trabalho apresentou os resultados sobre o impacto da pandemia de covid-19 nos crimes no estado do Rio de Janeiro. Espera-se que isto fomente debates e levante hipóteses sobre outros fatores que possam estar relacionados aos padrões encontrados e sobre as diferenças e similitudes em relação às pesquisas realizadas em outros locais do mundo.

Neste estudo, foi aplicado um método bastante parecido com o desenvolvido por Payne, Morgan e Piquero (2020). Entretanto, foi ampliado o rol de crimes estudados, abarcando diferentes modalidades de roubos (de celular e a transeunte, de veículo e de carga), o homicídio doloso, a morte provocada por intervenção de agente do Estado e o tráfico de drogas. O período usado para a aplicação do modelo, entre 2014 e fevereiro de 2020, foi idêntico ao utilizado pelos autores, considerado tempo suficiente para entender a sazonalidade e outras dinâmicas temporais.

Os resultados indicam que há evidências sobre o impacto da pandemia na queda dos números de roubos e furtos de celular e a transeunte. Teoricamente, esses crimes estão eminentemente relacionados com as oportunidades ocasionadas pelos encontros entre pessoas nos logradouros públicos. Com isso, esperava-se que esses tipos de roubo e furto seriam os mais impactados pela diminuição do fluxo de pessoas nas ruas.

Quanto aos roubos de veículo, associados com o fluxo de automóveis nas ruas, os resultados ficaram abaixo dos limites inferiores de 95% de confiança da previsão apenas nos meses de abril e maio de 2020. Ou seja, os efeitos da pandemia foram mais restritos temporalmente do que aqueles encontrados na análise dos roubos e furtos de celular e a transeunte. Por sua vez, é possível também afirmar que os roubos de carga não foram afetados pelas políticas associadas à pandemia, visto que os registros ficaram próximos aos previstos.

As apreensões por tráfico de drogas se mantiveram relativamente estáveis, bem próximas aos valores previstos, e dentro dos limites do intervalo de confiança de 80%. Assim, é possível concluir que as medidas de distanciamento social não resultaram em redução das apreensões por tráfico.

Em relação ao homicídio doloso, foram identificadas reduções após a decretação da situação de emergência no estado e a aplicação de medidas de isolamento social. Contudo, os valores registrados ficaram dentro do limite inferior de 80% da previsão. Portanto, ainda que tenha sido observada a queda no número de vítimas, não é possível dizer que essa redução foi significativa e causada pelos efeitos da pandemia. Quanto às mortes por intervenção de agente do Estado, entre os meses de maio a setembro, houve quedas expressivas abaixo do limite inferior da previsão, mas que não é possível atribuir diretamente ao efeito da pandemia.

Vale destacar que, além das análises específicas de cada crime, esse trabalho está ao lado de outros que buscam compreender os efeitos da pandemia nos crimes. Como lembram Stickle e Felson (2020), a pandemia é uma oportunidade única para compreender as relações entre os comportamentos sociais e os crimes. Entender, por exemplo, quais crimes são afetados pelo menor fluxo de pessoas e automóveis nas ruas. Essa agenda de estudos ainda possui diversos caminhos a serem explorados, tais como avaliar o impacto nas chamadas para as centrais de atendimento das polícias, estudar os efeitos nas lesões e nos homicídios de trânsito, ou ainda investigar se os locais que concentravam crimes continuam a ser os mesmos durante a pandemia. Há ainda muitas lacunas a serem preenchidas e outras mais se abrirão a partir dos estudos sobre os impactos da pandemia de covid-19 nos crimes.

Por fim, cabe destacar que os estudos internacionais (Hodgkinson e Andresen, 2020; Kim e Leung, 2020) mostraram que houve reduções significativas nos números de delitos de oportunidade em diversos locais do mundo, explicadas pela pandemia. De acordo com a teoria das atividades rotineiras, é esperado que os crimes que ocorrem na rua, como os roubos e furtos a transeunte e de celular, diminuam quando o fluxo de pessoas nesses lugares é alterado. Esse resultado foi encontrado para o estado do Rio de Janeiro. No entanto, as quedas observadas nos crimes de homicídio doloso e o roubo de carga ficaram dentro do intervalo de confiança da previsão realizada. Assim, não é possível dizer que as medidas de distanciamento social foram determinantes para essas diminuições, sendo possível considerar que as políticas adotadas no âmbito da segurança pública também tiveram papel importante para os resultados observados.

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Apêndice A

Tabela 1: Modelos de previsão
Título Modelo Autocorrelação Média AIC BIC
Furto de celular e a transeunte SARIMA(0,1,1)(1,0,0) 0.889 0.945 1157.8 1164.7
Homicídio doloso SARIMA(0,1,1)(1,0,0) 0.921 0.670 730.1 737.0
Morte por intervenção de agente do Estado SARIMA(0,1,1)(0,0,1) 0.298 0.915 649.1 658.2
Roubo de carga SARIMA(0,1,1)(0,1,1) 0.034 0.195 743.1 749.5
Roubo de celular e a transeunte ARIMA(0,1,0) 0.104 0.854 1181.7 1184.0
Roubo de veículo ARIMA(0,1,0) 0.616 0.914 1044.2 1046.5
Tráfico de drogas SARIMA(0,1,1)(0,0,1) 0.874 0.556 867.0 873.9
Fonte: Elaborado pelo ISP.

 

Na Tabela 1, na segunda coluna, são apresentados os modelos ajustados que são utilizados nas previsões de cada delito. Os modelos selecionados e apresentados na tabela são aqueles com as melhores performances entre os testados. As colunas três e quatro são resultados de alguns testes de análise dos resíduos e são importantes para verificar se os modelos capturaram adequadamente as informações dos dados. A coluna da autocorrelação apresenta os p-valores obtidos no teste Ljung-Box31, vê-se que apenas o modelo ajustado para roubo de carga apresenta autocorrelação entre os resíduos estimados. A decisão foi manter essa previsão, ainda que com essa ressalva. A coluna da média apresenta os p-valores obtidos no teste T de Student32; como pode ser visto, todos são maiores que o nível de significância de 5%. Portanto, nenhuma das previsões obtidas é tendenciosa. Já as colunas AIC e BIC trazem os resultados dos dois métodos utilizados para escolher o melhor tipo de modelo. Foram selecionados aqueles com as melhores performances nesses quesitos.


  1. A doença Covid-19 é uma infecção viral transmissível e patogênica causada por uma síndrome respiratória aguda de coronavírus, conhecida como SARS-CoV-2. Ela é relacionada filogeneticamente com outras síndromes respiratórias severas, do tipo SARS (Shereen et al., 2020). Em 2002, houve o surto SARS-CoV-1 e dez anos depois, o de MERS-CoV. Contudo, a epidemia do novo coronavírus alcançou níveis muito maiores de mortalidade e da taxa de transmissão que esses dois últimos, que infectaram à época poucos milhares de pessoas.↩︎

  2. Os dados podem ser vistos em: https://ourworldindata.org/covid-deaths. Acesso em: 31 de março de 2021.↩︎

  3. Disponível em: https://pge.rj.gov.br/comum/code/MostrarArquivo.php?C=MTAyMjI%2C. Acesso em: 5 de abril de 2021.↩︎

  4. Disponível em: https://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19---11-march-2020. Acesso em: 20 de outubro de 2020.↩︎

  5. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-06/primeira-morte-por-covid-19-no-brasil-aconteceu-em-12-de-marco. Acesso em: 20 de outubro de 2020.↩︎

  6. Os experimentos de controle randomizado são realizados em dois grupos, chamados de tratamento e controle (que não recebe o tratamento). Os integrantes de cada grupo são escolhidos de maneira aleatória. A comparação entre os dois grupos é controlada por determinadas variáveis.↩︎

  7. O texto em inglês é: “This naturally occurring experiment will advance our knowledgeof crime and human behavior as no other event has ever done during the era in whichcriminological data were widely available”.↩︎

  8. Os efeitos de médio e longo prazo sobre a pobreza e a desigualdade podem ser distintos dos apontados nos estudos citados, dedicados ao período inicial da pandemia. Por exemplo, o cenário de janeiro de 2021 é pior do que em 2020, como mostra matéria jornalística da Folha de São Paulo. A taxa de pobreza (pessoas que vivem com menos de 246 reais ao mês) entre maio e outubro de 2020 foi de 5,2% da população em média, o que abrange parte do período estudado neste trabalho. Não há dados para março e abril. Em janeiro de 2021, foi de 12,8%. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/01/brasil-comeca-2021-com-mais-miseraveis-que-ha-uma-decada.shtml. Acesso em: 5 de abril de 2021.↩︎

  9. Grosso modo, a teoria da dissuasão e da escolha racional considera que os criminosos ponderam os riscos e as consequências do ato, incluindo a possibilidade de ser descoberto. A do autocontrole cogita que pessoas com menor capacidade de controlar seus sentimentos e impulsos cometem mais crimes. A da desorganização social conjectura que as rupturas ou más estruturas familiares ou sociais aumentam as chances dos indivíduos desses contextos cometerem crimes. A da transmissão cultural ou da subcultura criminal analisam as relações entre os supostos valores dominantes na sociedade e outros subordinados. Por fim, a do aprendizado social indica que certo comportamento criminoso seria assimilado por meio do contato contínuo com condutas que violam a lei.↩︎

  10. De acordo com Escalante (2012, p. 141–142), é preciso distinguir os crimes predatórios dos econômicos. Os primeiros são realizados por meio de ameaças diretas, pessoais e se aproveitam de oportunidades ofertadas pelas condições do tripé vítima-autor-local. Os delitos de mercado, em teoria menos afetados pelos efeitos da pandemia, necessitam de algum nível de organização, de estabilidade, de mecanismos de resolução de conflitos e de proteção. O tráfico de drogas e de armas são os exemplos mais claros desse segundo tipo de delito.↩︎

  11. O texto em inglês é: mischief. Na legislação canadense se refere ao ato de provocar dano à propriedade de alguém sem a intenção de roubá-la.↩︎

  12. Os termos em inglês são, respectivamente, common assault e serious assaults. A agressão comum é categorizada quando uma pessoa inflige violência a outra pessoa independentemente do nível ou faz a vítima pensar que está prestes a ser atacada. As agressões sérias ocorrem quando há a intenção de cometer um crime ou resistir à prisão e quando é cometida contra pessoas idosas, com deficiência ou sem capacidade de defesa.↩︎

  13. Disponível em: www.ispvisualizacao.rj.gov.br/monitor. Acesso em: 29 de janeiro de 2021.↩︎

  14. Disponível em: http://arquivos.proderj.rj.gov.br/isp_imagens/uploads/ISP_EstudoIsolamento.pdf. Acesso em: 25 de novembro de 2020.↩︎

  15. Delegacia de Dedicação Integral ao Cidadão (DEDIC). Disponível em: https://dedic.pcivil.rj.gov.br/. Acesso em: 29 de janeiro de 2021.↩︎

  16. Por exemplo, pelos afastamentos causados pela covid-19.↩︎

  17. Decreto nº 47.402/2020.↩︎

  18. Atualmente, há diversos métodos de detecção de alterações de médias que identificam múltiplos pontos de mudança (Plasse e Adams, 2019). Neste trabalho, foi utilizado um método não paramétrico com base na estatística de teste de Mann-Whitney. Disponível no pacote CPM (Change Point Model) do programa R (Ross, 2015).↩︎

  19. A modelagem foi realizada por meio da função auto.arima do programa R.↩︎

  20. Em matemática, denomina-se interpolação o método que permite construir um novo conjunto de dados a partir de um conjunto discreto de dados pontuais previamente conhecidos. A função no programa R se chama approxfun. Para mais informações, ver: https://www.rdocumentation.org/packages/stats/versions/3.6.2/topics/approxfun. Acesso em 5 de novembro de 2020.↩︎

  21. Período definido pelo Google.↩︎

  22. Criada através do ajuste local por meio de regressão polinomial. Polinômios são expressões algébricas de coeficientes (números conhecidos) e incógnitas (números desconhecidos). Assim, uma regressão polinomial busca compreender a relação entre as variáveis polinomiais.↩︎

  23. A semana epidemiológica é uma convenção internacional para contar as semanas de domingo a sábado por ano. A primeira semana do ano é aquela que contém o maior número de dias de janeiro e a última a que contém o maior número de dias de dezembro, em 2020 a primeira semana foi de 29/12/2019 a 04/01/2020.↩︎

  24. Para facilitar a análise do gráfico, são apresentados apenas os dados de 2019 e 2020, ainda que tenham sido utilizados os dados desde 2014 para a modelagem.↩︎

  25. Para esclarecimento, ver o Apêndice A.↩︎

  26. A diferença entre o intervalo de 80% e 95% se refere ao rigor da análise da previsão. Resultados fora da faixa de 95% indicam resultados mais significativos. Foi decidido utilizar os dois intervalos para seguir um padrão observado nos estudos de previsão dos efeitos da pandemia.↩︎

  27. Em 5 de junho de 2020, o STF realizou o julgamento em caráter liminar da Arguição de Descumprimento de Preceito Legal 635, decidindo, dentre outras providências, a suspensão de realização de operações policiais em comunidades durante a pandemia de covid-19, salvo hipóteses excepcionais.↩︎

  28. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/09/22/sp-tem-recorde-de-apreensoes-de-maconha-durante-a-pandemia-de-coronavirus-cracolandia-tem-aumento-de-prisoes-por-trafico.ghtml. Acesso em: 27 de novembro de 2020.↩︎

  29. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/apreensao-de-cocaina-sobe-321-nas-estradas-do-rio-durante-pandemia-24698868. Acesso em: 27 de novembro de 2020.↩︎

  30. Disponível em : https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/10/26/supersafra-de-maconha-no-paraguai-dobra-apreensoes-no-brasil-em-2020.htm. Acesso em: 27 de novembro de 2020.↩︎

  31. Teste para a autocorrelação dos resíduos estimados. Neste estudo foram consideradas cinco unidades de tempo (k=5). A hipótese nula indica a independência dos dados. Portanto, se o p-valor for maior que o nível de significância de 5%, há correlação entre os resíduos, indicando que há informações deixadas nos resíduos que poderiam ser usadas no cálculo das previsões.↩︎

  32. Teste para análise dos resíduos, cuja hipótese nula indica que a média dos resíduos estimados é igual a zero.↩︎